Dois
beijinhos e um sorriso bobo. Era tudo o que conseguia fazer antes de permanecer
em quase absoluto silêncio, só quebrado por hã-rãns e risadinhas inibidas vez
ou outra. Era assim toda vez que a via. Você é tão diferente pessoalmente –
dizia ela – não sabia que era tão tímida! E continuava a falar, sempre sofrendo
por uma paixão, a usar os ouvidos
receptivos de Paula e os seus conselhos.
Paula
não é tímida, nunca foi. O que a emudecia na presença de Cris eram aqueles
olhos! Aquele olhar castanho e brilhante. Gostava de se ver naquele olhar!
Mergulhada no mistério daquele castanho, emoldurada por aqueles imensos cílios!
Os maiores e mais bonitos que ela já viu. Cris é desse tipo de pessoa que fala
com os olhos, sorri com os olhos, sofre com os olhos... E assim, absorta,
perdida naquele olhar, Paula nem se dava mais conta de qual rumo a conversa
havia tomado, até ser acordada por um “Hein!?” de Cris. Recompunha-se e
respondia pacientemente a amiga de coração aflito, com o seu a saltitar no
peito.
Para
sua sorte, naquele dia a música estava alta e o seu corpo continuou ao ritmo do
“tunti-tunti”. Sorte maior ainda haver outro amigo, um novo interlocutor para
Cris, enquanto Paula estava livre para simplesmente observar.
Dois
beijinhos e um sorriso bobo. O sorriso permaneceu no rosto, o balanço da música
no corpo. Azul Royal! Ninguém fica bem de azul Royal! Paula até que tolerava a
cor, desde que longe de qualquer mulher, inclusive dela mesma! Azul Royal –
repetiu silenciosamente – como pode ela me aparecer de blusa azul Royal e ficar
linda? Linda! Os olhos brilhando e os cílios sacudindo como se gritassem: Olhem
como fico linda de azul Royal! Esse azul, mais claro que azul marinho, mais
escuro que turquesa... Definitivamente, azul Royal não fica bem em ninguém!
Neste momento só a cabeça ainda balançava no ritmo da música. E a lata de
cerveja balançando na mão. Fazia isso quando estava tensa. Linda de azul Royal!
Como pode? Não é possível que paixão cause uma coisa dessas! De acordo com
Paula, as loiras ficavam verdes, as morenas amarelas e as negras perdiam seu
brilho quando usavam azul Royal. Quanto às ruivas ela não sabia. Nunca vira uma
ruiva usando essa cor, mas achava que também não devia ficar muito bem.
Cris é
morena – pensava – tem olhos castanhos... Os mais lindos, expressivos e
misteriosos olhos castanhos que eu já vi. E ainda consegue ficar lindíssima
de...
Azul!
Paula se espantou. Acordou de seu transe
e por um momento pensou ter dito aquilo em voz alta. Mas logo foi socorrida
pelo “hein!?” tão conhecido de Cris, esperando alguma resposta sua.
Paula,
que não havia escutado uma palavra sequer da conversa ruboreceu e gaguejou:
é... desculpa, eu... estava distraída com a música. O que você estava falando
mesmo?
Os olhos! – respondeu Cris . Olhos? É! Da Letícia! Não
consigo tirá-la um minuto da cabeça. Não são os olhos mais lindos que você já
viu? Tanto mistério naquele azul...