Logo na entrada havia uma mangueira. Um pé de manga rosa.
Estávamos no mês de dezembro e a primavera já ia pelo fim. Aqueles frutos rosa
de aparência apetitosa contrastando com o verde das folhas me convidavam a uma
suculenta mordida. Seu cheiro parecia
entrar pelas minhas narinas e atravessar todo o meu corpo antes de seguir até o
fim da rua. Imaginei todas as tardes quentes que passaria saboreando essas
mangas. Esparramada no chão da varanda, vasilha cheia de fruta no meio das
pernas, o cabelo balançando com a brisa quente... Como eu sentia prazer só
de imaginar! Arrancar aquela casca rosa com os dentes para encontrar a polpa
amarela, doce e suculenta, escorrendo pelo canto da minha boca, pelos meus
dedos, pingando na minha saia estampada...
sábado, 15 de dezembro de 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
In memoriam
Eis que surge materializado na minha
frente, em meio aos comandos de programação que não sei executar, um distinto
senhor. Olhos azul piscina, cabelos muito brancos, bochechas coradas e sorriso
simpático. Russo. Terno engomado, gravata borboleta e tênis. Porque a idade
avançada já não permite o desconforto de certos sapatos.
Saído de um
livro texto para Engenharia - ou melhor, ELE é o livro texto - somente para me dar
esta lição: no fim tudo deve ser simples.
Ali, em pé, na frente do quadro negro, em meio às carteiras e olhares
confusos dos estudantes ele me falou:
"Não importa o quão árduo seja o seu
trabalho, minha filha. Você tem que trabalhar duro, lutar, mas no fim tudo deve
chegar a uma simples equação de fácil solução."
Obrigada,
doutor Popov¹! O senhor nunca imaginaria que suas palavras em russo, ditas a um
aluno brasileiro de origem alemã, hoje um tanto rabugento, chegariam aos meus
ouvidos. Prometo guardar com carinho as sábias palavras e tentar colocá-las em
prática.
Em uma
singela homenagem póstuma, enuncio aqui uma simples lei da Física que resolve
incontáveis problemas pelo mundo afora.
Para
lembrar:
“Cê é igual
à raiz quadrada de a ao quadrado mais bê ao quadrado menos dois a vezes bê
vezes o cosseno de téta.”
Uma pena
essa não poder ser aplicada à vida!
¹ E.P.Popov
(1913 – 2001) escreveu, dentre muitas coisas, o livro “Resistência dos
materiais” e foi pioneiro no estudo do comportamento inelástico e resposta
sísmica do concreto armado e aço. Sabia das coisas o doutor Popov, afinal “ o
mundo é mesmo de cimento armado”
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Saldo do fim
Uma confissão
Muitas ofensas
Um pedido de perdão
Muitas lágrimas
Três gatos na sala
Nove espasmos
Dez espasmos
Uma noite
Um adeus
Dois travesseiros na
cama
Três gatos no quarto
Duas escovas no
banheiro
Duas canecas no
escorredor
Duas tigelas no armário
Trinta reais em cima da
cômoda
Oito cabides
Cinco gavetas vazias
Dois destinos
Três gatos no sofá
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Sobre a decepção amorosa
Ana fez aquela
pergunta de repente, como se a tivessem soprado nos seus ouvidos. Antes da
resposta, um breve momento de silêncio. "Estou". Ana ouviu e chegou a
esboçar um sorriso, aguardando a continuação da frase, que em sua cabeça seria:
"brincadeira". A correção não veio. Não era brincadeira, era sério.
"ESTOU", ecoava em seus ouvidos. "ESTOU". Ana estava
confusa, decepcionada, chocada. A decoração pré-adolescente do quarto de Luíza
começou a girar ao seu redor. A parede lilás se confundia com o teto. Os corações
de pelúcia coloridos em cima da cama rasgaram-se ao meio, soltando a espuma
branca pelo chão. Os vampiros brilhantes e os lobisomens saíram de dentro dos
seus livros e se juntaram ao Justin Bieber rindo e zombando de Ana. As bonecas
aproveitaram para sair do fundo do baú e cantar, girando numa roda:
"com queem, com queem, com queem seráá
que a Ana vai casaar..."
A música dos rebeldes tocava
ensurdecedoramente até que a Hermione apareceu, girou sua varinha e, apontando
para Ana, gritou: "expelliarmus"!
Mas Ana já estava desarmada.
Chorou, lamentou-se, demorou a pegar
no sono naquela noite. Quando dormiu, sonhou que estava correndo livre, num
quintal imenso de uma casa minúscula. O quintal era todo forrado com um carpete
cinza, muito limpo e fofo, que massageava os pés de Ana enquanto ela corria
alegre. De repente, pessoas chegaram ao terreno, levaram muitos móveis,
construíram uma casa enorme e Ana se sentiu sufocada. Sentiu falta de ar,
precisava se esforçar muito para continuar respirando... Acordou aflita, estava
com dor de cabeça. A primeira palavra que lhe veio à mente foi
"ESTOU".
Comeu uma torta de
limão. Achou azeda. Chorou.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Paz
Pedi a ela
que me deixasse em paz.
Ofendida,
respondeu (como sempre odiei) ok
e desligou
na minha cara.
Depois de
tanto tempo ainda não sabe?
Paz!
Sem ela,
essa palavra são só três letras agrupadas ao acaso.
Ao lado dela
aconteceram os meus raros momentos de paz.
Nos braços
dela.
Com a cabeça
no peito dela.
Sentindo o
cheiro dela.
Olhando o
sorriso dela
e os olhos
dela que me olhavam.
Olhos onde
eu podia me ver.
Ver-me
claramente.
Ver-me sem
os disfarces usuais.
Estes, eram
para as outras pessoas, não para ela!
Ela me
deixava nua,
despida,
descabelada
Esvaziava-me
para depois me encher,
completar.
Com ela,
ali,
nua,
aquecida
pela sua pele,
embalada
pela sua voz,
seu
respirar,
seu pulsar ,
seus “ésses”
puxados em tom rouco...
Ali, eu
podia ser qualquer coisa.
Eu podia ser
tudo.
Eu podia ser
nada.
Eu ERA e me
bastava.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Royal
Dois
beijinhos e um sorriso bobo. Era tudo o que conseguia fazer antes de permanecer
em quase absoluto silêncio, só quebrado por hã-rãns e risadinhas inibidas vez
ou outra. Era assim toda vez que a via. Você é tão diferente pessoalmente –
dizia ela – não sabia que era tão tímida! E continuava a falar, sempre sofrendo
por uma paixão, a usar os ouvidos
receptivos de Paula e os seus conselhos.
Paula
não é tímida, nunca foi. O que a emudecia na presença de Cris eram aqueles
olhos! Aquele olhar castanho e brilhante. Gostava de se ver naquele olhar!
Mergulhada no mistério daquele castanho, emoldurada por aqueles imensos cílios!
Os maiores e mais bonitos que ela já viu. Cris é desse tipo de pessoa que fala
com os olhos, sorri com os olhos, sofre com os olhos... E assim, absorta,
perdida naquele olhar, Paula nem se dava mais conta de qual rumo a conversa
havia tomado, até ser acordada por um “Hein!?” de Cris. Recompunha-se e
respondia pacientemente a amiga de coração aflito, com o seu a saltitar no
peito.
Para
sua sorte, naquele dia a música estava alta e o seu corpo continuou ao ritmo do
“tunti-tunti”. Sorte maior ainda haver outro amigo, um novo interlocutor para
Cris, enquanto Paula estava livre para simplesmente observar.
Dois
beijinhos e um sorriso bobo. O sorriso permaneceu no rosto, o balanço da música
no corpo. Azul Royal! Ninguém fica bem de azul Royal! Paula até que tolerava a
cor, desde que longe de qualquer mulher, inclusive dela mesma! Azul Royal –
repetiu silenciosamente – como pode ela me aparecer de blusa azul Royal e ficar
linda? Linda! Os olhos brilhando e os cílios sacudindo como se gritassem: Olhem
como fico linda de azul Royal! Esse azul, mais claro que azul marinho, mais
escuro que turquesa... Definitivamente, azul Royal não fica bem em ninguém!
Neste momento só a cabeça ainda balançava no ritmo da música. E a lata de
cerveja balançando na mão. Fazia isso quando estava tensa. Linda de azul Royal!
Como pode? Não é possível que paixão cause uma coisa dessas! De acordo com
Paula, as loiras ficavam verdes, as morenas amarelas e as negras perdiam seu
brilho quando usavam azul Royal. Quanto às ruivas ela não sabia. Nunca vira uma
ruiva usando essa cor, mas achava que também não devia ficar muito bem.
Cris é
morena – pensava – tem olhos castanhos... Os mais lindos, expressivos e
misteriosos olhos castanhos que eu já vi. E ainda consegue ficar lindíssima
de...
Azul!
Paula se espantou. Acordou de seu transe
e por um momento pensou ter dito aquilo em voz alta. Mas logo foi socorrida
pelo “hein!?” tão conhecido de Cris, esperando alguma resposta sua.
Paula,
que não havia escutado uma palavra sequer da conversa ruboreceu e gaguejou:
é... desculpa, eu... estava distraída com a música. O que você estava falando
mesmo?
Os olhos! – respondeu Cris . Olhos? É! Da Letícia! Não
consigo tirá-la um minuto da cabeça. Não são os olhos mais lindos que você já
viu? Tanto mistério naquele azul...
terça-feira, 10 de julho de 2012
Magia cotidiana
Sorriso banguela de criança,
Gatinhos brincando,
Risada de bebê
Passarinho tomando banho de areia
Borboletas acasalando
Música
Luz do Sol atravessando as folhas das árvores
Onda voltando e encontrando com onda chegando
Massa crua de bolo passando da vasilha para a assadeira fazendo
cascata
Guarda-chuva colorido no meio dos pretos
Mar de guarda-chuvas atravessando a faixa de pedestres
Cheiro de sal com filtro solar...
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Fim
Tudo terminou como começou:
bonito e sereno
Sob turquesas tons que o céu exibia límpido,
ninguém seria capaz de diferenciar o brilho dos olhares.
Mas não havia mesmo nenhum espectador a observar aqueles olhos,
antes, ansiosos e alegres
agora, pesarosos e cheios de esperança.
Só o brilho era o mesmo.
A única testemunha, o céu.
Imponente e majestoso,
dono de todas as verdades,
guardião de todos os segredos,
sorria.
Sorria sozinho.
Piedoso das criaturas que desconhecem o porvir.
bonito e sereno
Sob turquesas tons que o céu exibia límpido,
ninguém seria capaz de diferenciar o brilho dos olhares.
Mas não havia mesmo nenhum espectador a observar aqueles olhos,
antes, ansiosos e alegres
agora, pesarosos e cheios de esperança.
Só o brilho era o mesmo.
A única testemunha, o céu.
Imponente e majestoso,
dono de todas as verdades,
guardião de todos os segredos,
sorria.
Sorria sozinho.
Piedoso das criaturas que desconhecem o porvir.
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