sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Sobre minhas amadas


Seus olhos cor de mar já dão o aviso: há dias de calmaria, mas alguns são de ressaca!
Sou caiçara. De mar eu entendo.
Aprendi com um pescador afoito que em dias como esse (de mar bravio) o melhor é mesmo ficar olhando ao longe.
Pode até ser bonito, mas é muito perigoso.
Só os forasteiros desavisados se arriscam a entrar no mar em dias assim.
Mas de onde eu venho não há forasteiro.
Na minha terra todos são iguais!

Voo vermelho


Pediu que eu não usasse o cinto de segurança e acelerou

Eu sorria sentindo o vento no meu rosto

De repente a freada brusca

Fui arremessada contra o para-brisa e sobrevoei a cidade sangrando

A moça que assistia a tudo achou triste e bonito

Noite Roxa



Roxa era a flor que eu dei a ela. Como aquela que nasce no coração dos trouxas. Poderia ter colhido no meu próprio jardim, cultivado já há dez anos com tanto esmero. Mas não, roubei-a de um buquê alheio. Um buquê multicolorido. Dentre todas as cores, escolhi a roxa, dentre todas as roxas, a mais roxa.

A flor roxa foi recebida por um sorriso tímido e um pregador também roxo e passou a fazer parte da decoração.

Eu fui recebida por um sorriso tímido, um abraço e um coração acelerado. Assim pensei na hora, mas a verdade é que não conheço o ritmo daquele coração para dar conta de mudanças no seu velocímetro.

Falei de alegria, crianças, borboletas. Falei de problemas.

Quis colo. Recebi.

Ouvi falar de literatura, namoradas, dores, medos. Medo de mim.

Quis dar colo. Não sei se consegui.

Visita rápida. Na despedida, como na primeira vez, em pé. Deixei-me beijar. Sem barreiras. Olhos fechados, cabeça pendida para um lado, receptiva como poucas vezes sou. Os lábios dela passeando pelo meu rosto, colo, pescoço... Ouço uma respiração alta e entrecortada e abro os olhos. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que era eu que, passivamente, emitia aquele som.

Atordoada, achei melhor ir embora. No caminho para casa sorri sozinha.


domingo, 20 de janeiro de 2013

Figuras de linguagem

Três da madrugada sou acordada por eufemismos
Logo hoje que fui dormir tentando abandonar as hipérboles!

E a anáfora dos meus dias volta a martelar!
martela amor
martela dor
martela saudade
martela mal entendido
martela dúvida. Dúvida? Por que duvidas?
martela
martela martela martela...

Por que duvidas do meu amor que quer ver a Via Láctea com você?

E retorno às hipérboles!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre sonhos


Certa vez, quando menina, Ana sonhou que estava tomando sorvete. Era tão gostoso, cremoso e refrescante! Ana sentia aquele sabor de chocolate gelado derretendo na sua boca quente num dia de verão. Acordou e quando percebeu que tudo não passara de um sonho ficou decepcionada e cheia de vontade de tomar o tal sorvete. Foi a primeira vez que isso aconteceu em sua pequena vida. A primeira de muitas, não sabia ela ainda. Pediu a sua mãe que lhe comprasse um sorvete. Mas não era nenhuma data especial e sua mãe não tinha dinheiro, tempo e talvez nem vontade de fazer aquele agrado à filha em pleno dia de semana, cheio de afazeres e obrigações. Ana ficou triste naquele dia, com o sabor do chocolate em sua boca o dia inteiro. Ruim ser criança e não mandar no meu próprio nariz – pensou.

Hoje, mulher feita, Ana gostaria de sonhar mais com sorvetes de chocolate. Ou de banana, pistache, creme de avelã... não tem mais as limitações do paladar infantil!

Tem muitos pesadelos e não gosta muito de tê-los, mas uma noite dessas chegou à conclusão de que prefere pesadelos a sonhos muito bons. Vive tendo pesadelos. Perseguições, maremotos, veículos estranhos que precisa, mas não consegue dirigir, labirintos, seres maléficos, prédios sem saída... tudo coisa já corriqueira para ela! Acorda aflita, respiração ofegante, suando às vezes e UFA! Era só um pesadelo. Que bom acordar!

Mas com sonho muito bom a coisa muda completamente de figura. Ana está apaixonada, é correspondida e vive uma linda história de amor; adotou uma criança linda e fofa que sorri um sorriso banguela para ela falando mamãe; está defendendo a tese de doutorado; descobriu a cura da AIDS e está sendo entrevistada pelo Jô; está voando num céu claro e sereno, tons rosas de um Sol ainda nascendo, a brisa morna no rosto... e pipipipi... pipipipi... pipipipi... o maldito toque escandaloso - que toda manhã promete que vai mudar-  do despertador, já acompanhado das buzinas lá fora alertando que tudo não passara de um sonho.

Que pena, era só um sonho! – Ana se lembra de quando era menina. Queria sonhar com sorvete toda noite. Com calda, castanha, cobertura quente, jujuba e tudo que a imaginação deixasse. Pelo menos sorvete ela pode comprar!