Hoje as pessoas estavam menos apressadas que o de costume no centro da cidade
Como se quisessem compensar a velocidade do vento.
Ele, bem humorado e barulhento, acordou nesta segunda-feira dando bom dia e fazendo cafuné em todos que passam.
Para ser lido ao acaso
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Frente fria
E o dia teima em ficar branco
em época que não é devida.
São Pedro não sabe
que os azuis do céu de outono
também me lembram você.
em época que não é devida.
São Pedro não sabe
que os azuis do céu de outono
também me lembram você.
sábado, 23 de janeiro de 2016
Quiromancia
Observando a minha mão, lembrei - me daquela cigana às avessas
que certa vez leu a sua própria para mim.
Mostrou - me uma grande falha em uma das linhas (que disse ser a do amor).
É uma ilha de solidão - explicou.
E é lá que ela se esconde, vez ou outra, cercada de pessoas por todos os lados.
que certa vez leu a sua própria para mim.
Mostrou - me uma grande falha em uma das linhas (que disse ser a do amor).
É uma ilha de solidão - explicou.
E é lá que ela se esconde, vez ou outra, cercada de pessoas por todos os lados.
domingo, 18 de outubro de 2015
Realidade
Pela
janela do ônibus, com os olhos embaçados observo os fios da Zona Norte e lembro
dos seus cabelos.
De volta à realidade, você me disse.
E vagueio entre a
realidade dos fios emaranhados das ruas da Zona Norte e a realidade tão próxima
e agora distante dos seus cabelos prateados entre os meus dedos. Postes de
diversas formas, cores, tamanhos... não há padrão na Zona Norte! Isso é para os
bairros ricos, coisa “pra inglês ver”, ou, nesse caso, para ninguém ver. Na Zona Sul não há poste, não há emaranhado, não há fios à mostra. Esses passam pelo
subsolo, escondidos, para não agredir a visão de ninguém. Com os sentimentos
também costuma ser assim. Sentimentos levados na subsuperfície do dia-a-dia, das
formalidades, dos dois beijinhos no rosto, do bom dia com aceno de cabeça.
Sentimentos comportadamente escondidos, longe dos postes, para não agredir ninguém.
De volta à realidade, você me disse. Mas vendo os fios emaranhados da Zona Norte penso nos meus sentimentos. A realidade é mutável, a realidade é transitória.
Tomou uma decisão a realidade mudou. Abaixou para amarrar os sapatos, perdeu o
trem, foi no seguinte e conheceu o amor da vida. Ajudou a velhinha a atravessar
a rua, chegou atrasado, perdeu o emprego. A realidade é tão mutável,
transitória e sem forma definida que é quase surreal.
De volta à realidade,
sinto-me como uma rua da Zona Norte. Um emaranhado de fios que quase gritam a
quem passa. Todas as histórias, risos, dores, saudades que transmitem, a luz
que ilumina tudo e nada deixa esconder. Luz branca, luz amarela, meia luz e
você, com seus cabelos prateados entre os meus dedos.
De volta à realidade,
relembro seu sorriso por detrás do vidro transparente (que brilhava demais e
não me deixou te enxergar direito). Acenou para mim e voltou a sua realidade.
Acenei, sorri de volta (com todo o esforço que pude), engoli o choro. Ao
contrário daquela vez que eu chorava, olhando pela janela, e um menino me sorriu
(também por detrás do vidro) num sorriso banguela de criança e eu engoli o
choro e sorri de volta um sorriso sincero.
Dei meia volta e não voltei à
realidade. E não diga que não me esforcei. Procurei a realidade como pude: fucei
ao redor, catei dentro da bolsa, revistei os bolsos da calça, o celular,
embaixo do meu pé e nada! Realidade é bicho rápido, corre da gente e não dá pra
se agarrar nela!
Pelas
ruas da zona norte invento, reinicio uma realidade com meus sentimentos que
gritam, seus cabelos que não mais passam pelos meus dedos, e sua voz que não
mais escuto. Pelas ruas da zona norte meus sentimentos
gritam e ninguém quer ouvir, assim como ninguém quer ver os fios emaranhados da Zona Norte e a sua cabeleira prateada, que eu peço mentalmente que continue assim,
enquanto invento uma nova realidade sem ela.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
Pele Papel Carvão
Lua cheia e pálida no céu.
A luz entrando pela janela e iluminando a cama através da cortina semiaberta
daquele quarto em que nunca havia estado antes. Cores, tecidos, pedras, formas
que eu não conheço.... Não consigo dormir. Nem tento na verdade. Mal me lembro
da noite passada. Você dorme. Profunda e delicadamente.
Te vendo dessa maneira
não consigo perceber nem os traços da menina tímida de bochechas coradas, que
sorri mordendo os lábios e olhando para baixo nem da mulher sedutora que me
conduziu até sua cama, me olhou nos olhos e me beijou. Se mostrou para mim alma
e corpo nus e adormeceu ao meu lado.
Sempre acreditei que
dormir ao lado de alguém é a expressão mais pura de confiança que pode existir.
E você dormia ao meu lado.
E ali, ao meu lado, vi o
que antes eu apenas imaginava.
Seus seios livres do
decote que me indicavam o caminho que tantas vezes percorri mentalmente. A
renda por baixo do vestido estampado, como se me chamasse a ver e me fazia
seguir por ali, imaginando por que caminhos desconhecidos eu seria conduzida.
Me levaria aquele caminho a outras pintas como a do seu braço? Quantas seriam?
Como seriam? Imaginando a temperatura do seu corpo, imaginando o formato dos
seus seios, a textura da sua pele, os pelos da sua nuca arrepiada, no coque que
desfaço mentalmente.
Agora você ali, na minha
frente. Todos os caminhos livres. Os mais longos e os atalhos. A pinta nas
costas, a pinta nas costelas, o cabelo emaranhado, nesse tom que avermelha
quando bem entende e volta a ser castanho. A colcha vermelha que cobre metade
do seu corpo me convida a estar ali embaixo. O frescor da madrugada também.
Agora já é quase dia. Detenho-me. Limito-me a lhe imaginar embaixo desse
vermelho. Penso em desenhá-la. Um desenho simples. Traços fortes. Só preto no
branco. E um intenso vermelho, que em sua intensidade não mostra aos outros o
que apenas imagino.
Seus quadris, que não
vejo, sendo desenhados por mim seguindo a linha da sua cintura. Mal me lembro da noite passada. Acaricio suas costas. Elas arrepiam. Sinto vontade de ter
meu corpo contra o seu. Sinto-me arrepiar também. De frio e desejo. Seu corpo
quente, meus mamilos rijos querendo sua pele, minha boca querendo os seus
seios, sua cicatriz. Você me mostrou suas cicatrizes. Da alma, do corpo e
dormiu ao meu lado.
E eu ali, num passeio
interminável pelo seu corpo, nessa cama tão pequena e tão grande! Minhas mãos
desejando tocar as suas pernas, suas coxas, barriga, costas... meus lábios
delicadamente acariciando seu pescoço, minha respiração entrecortada... você de
olhos fechados procura minha boca para um beijo. Não é abraço, é uma carícia
sensual e delicada. Sinto-me envolvida pelo seu cheiro, mesmo de olhos fechados
enxergo você inteira, nua e entregue.... Te olho nos olhos.... Você dormindo se
ajeita embaixo da coberta vermelha. Eu com frio sentada no pé da cama.
Vesti-me, beijei-lhe o
rosto e saí sem me despedir. Mal me lembro da noite passada.
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Meteorologia
Estava a olhar a janela do 18° andar quando avistou a sacola.
Flutuava lentamente no fundo azul, como se dançasse para ela uma dança delicada e envolvente.
Lembrou do filme.
Normalmente Ana acharia aquela cena bonita, mas hoje não.
Hoje viu apenas uma sacola branca na frente das nuvens que esperavam o beijo de despedida do Sol. A sacola que queria roubar a cena e depois entalar algum albatroz.
A sacola branca, que poderia ser leonina, tamanha a sua vontade de aparecer, queria entalar o albatroz e impedi-lo de avisar a Ana que iria chover naquele dia.
Apesar do lindo pôr-do-sol.
E Ana, desavisada, não levaria o guarda-chuva.
Logo hoje que ela não estava nem um pouco afim de banho de chuva.
Molhou-se.
Uma chuva fina e gelada que lhe doía até os ossos.
Desejou ter uma sacola entalada em sua garganta também, assim como o albatroz.
Para que, desavisadas, as pessoas não se protegem das suas tempestades.
E não se protegendo se permitissem o banho de chuva.
E se permitindo o banho de chuva, pudessem ver o arco-íris no final.
E se permitindo ver o arco-íris no final, torcendo suas roupas encharcadas, sorriso na cara, se abraçassem.
Se o arco-íris aparecesse.
Flutuava lentamente no fundo azul, como se dançasse para ela uma dança delicada e envolvente.
Lembrou do filme.
Normalmente Ana acharia aquela cena bonita, mas hoje não.
Hoje viu apenas uma sacola branca na frente das nuvens que esperavam o beijo de despedida do Sol. A sacola que queria roubar a cena e depois entalar algum albatroz.
A sacola branca, que poderia ser leonina, tamanha a sua vontade de aparecer, queria entalar o albatroz e impedi-lo de avisar a Ana que iria chover naquele dia.
Apesar do lindo pôr-do-sol.
E Ana, desavisada, não levaria o guarda-chuva.
Logo hoje que ela não estava nem um pouco afim de banho de chuva.
Molhou-se.
Uma chuva fina e gelada que lhe doía até os ossos.
Desejou ter uma sacola entalada em sua garganta também, assim como o albatroz.
Para que, desavisadas, as pessoas não se protegem das suas tempestades.
E não se protegendo se permitissem o banho de chuva.
E se permitindo o banho de chuva, pudessem ver o arco-íris no final.
E se permitindo ver o arco-íris no final, torcendo suas roupas encharcadas, sorriso na cara, se abraçassem.
Se o arco-íris aparecesse.
Monotema
Sou acostumada com mar. Tenho suas formas gravadas na minha retina. Conheço suas mudanças, suas marés...
Aprendi que depois da tempestade vem a bonança, mas também que depois de alguns minutos de mar muito parado é que virá a maior onda! E às vezes até consigo me preparar para ela.
Conheço ressaca, que observava de longe na infância com misto de medo e admiração. Dias cinza de vento cortante e aquele barulho de água preenchendo tudo em volta, mostrando sua ira, sua força, sua beleza.
Aprendi que depois da tempestade vem a bonança, mas também que depois de alguns minutos de mar muito parado é que virá a maior onda! E às vezes até consigo me preparar para ela.
Conheço ressaca, que observava de longe na infância com misto de medo e admiração. Dias cinza de vento cortante e aquele barulho de água preenchendo tudo em volta, mostrando sua ira, sua força, sua beleza.
Depois passava.
Calmaria.
Mas não era de mar que se tratava. Pronto! Eu, monotemática, "metade da minha alma é maresia", não consegui entender, não achei referência.
Nada de ressaca, calmaria, maresia...Nada de maré que sei quando vai baixar!
Aquela força da natureza eu pouco conhecia. Ela chegou como uma revoada de pássaros. Pássaros que nada tinham a ver com gaivotas, andorinhas ou albatrozes, que planam calmamente até na iminência das piores tempestades.
Era revoada de pássaro assustado depois de estouro, fazendo algazarra depois da trovoada, procurando abrigo.
Ela chegou como chuva em pé de serra, levantando poeira com a ventania no meio da tarde morna.
Levantando as saias das mulheres, carregando os papéis dos estudantes, correria...
Dia escuro em segundos, frio.. folhas secas subindo, emaranhando no cabelo...
Fechei os olhos para me proteger e esperei passar.
Quando a ventania cessou e eu enfim tive coragem de reabrir os meus olhos já era noite e a Lua ia alta no céu.
Quando a ventania cessou e eu enfim tive coragem de reabrir os meus olhos já era noite e a Lua ia alta no céu.
Quis sair dali.
Procurei refúgio.
E mais uma vez, sozinha diante dele me senti acolhida.
Tão calmo e sereno em sua conhecida fúria.
Diante do mar eu nunca estou sozinha.
Diante do mar eu não sinto medo.
Diante do mar eu me conheço.
Porque o mar sou eu diante do mar.
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