segunda-feira, 29 de junho de 2015

Meteorologia

Estava a olhar a janela do 18° andar quando avistou a sacola.
Flutuava lentamente no fundo azul, como se dançasse para ela uma dança delicada e envolvente.
Lembrou do filme.


Normalmente Ana acharia aquela cena bonita, mas hoje não.
Hoje viu apenas uma sacola branca na frente das nuvens que esperavam o beijo de despedida do Sol. A sacola que queria roubar a cena e depois entalar algum albatroz.

A sacola branca, que poderia ser leonina, tamanha a sua vontade de aparecer, queria entalar o albatroz e impedi-lo de avisar a Ana que iria chover naquele dia. 
Apesar do lindo pôr-do-sol. 
E Ana, desavisada, não levaria o guarda-chuva. 
Logo hoje que ela não estava nem um pouco afim de banho de chuva.

Molhou-se. 

Uma chuva fina e gelada que lhe doía até os ossos.

Desejou ter uma sacola entalada em sua garganta também, assim como o albatroz.

Para que, desavisadas, as pessoas não se protegem das suas tempestades. 
E não se protegendo se permitissem o banho de chuva. 
E se permitindo o banho de chuva, pudessem ver o arco-íris no final. 
E se permitindo ver o arco-íris no final, torcendo suas roupas encharcadas, sorriso na cara, se abraçassem.
Se o arco-íris aparecesse.

Monotema

Sou acostumada com mar. Tenho suas formas gravadas na minha retina. Conheço suas mudanças, suas marés...
Aprendi que depois da tempestade vem a bonança, mas também que depois de alguns minutos de mar muito parado é que virá a maior onda! E às vezes até consigo me preparar para ela.
Conheço ressaca, que observava de longe na infância com misto de medo e admiração. Dias cinza de vento cortante e aquele barulho de água preenchendo tudo em volta, mostrando sua ira, sua força, sua beleza.

Depois passava. 

Calmaria.

Mas não era de mar que se tratava. Pronto! Eu, monotemática, "metade da minha alma é maresia", não consegui entender, não achei referência.

Nada de ressaca, calmaria, maresia...Nada de maré que sei quando vai baixar!

Aquela força da natureza eu pouco conhecia. Ela chegou como uma revoada de pássaros. Pássaros que nada tinham a ver com gaivotas, andorinhas ou albatrozes, que planam calmamente até na iminência das piores tempestades.

Era revoada de pássaro assustado depois de estouro, fazendo algazarra depois da trovoada, procurando abrigo.

Ela chegou como chuva em pé de serra, levantando poeira com a ventania no meio da tarde morna. 
Levantando as saias das mulheres, carregando os papéis dos estudantes, correria... 
Dia escuro em segundos, frio.. folhas secas subindo, emaranhando no cabelo... 

Fechei os olhos para me proteger e esperei passar.
Quando a ventania cessou e eu enfim tive coragem de reabrir os meus olhos  já era noite e a Lua ia alta no céu.
Quis sair dali. 
Procurei refúgio.

E mais uma vez, sozinha diante dele me senti acolhida. 
Tão calmo e sereno em sua conhecida fúria.

Diante do mar eu nunca estou sozinha.
Diante do mar eu não sinto medo.
Diante do mar eu me conheço.

Porque o mar sou eu diante do mar.

sábado, 27 de junho de 2015

Estela

Ela não fala sobre sentimentos. Mas às vezes fala [súbita]
E eu com esta minha mania , necessidade, vício de querer transformar todas as reações químicas e impulsos eletromagnéticos em palavras, textos, poemas...
Monólogos infinitos recheados de hipérbole e drama!
Uso analogias caiçaras e transformo o que não tem nome nem forma em algo que possa ser compreendido, visto, tocado...
Falo de mar, sal, vento,  ondas.
Mas ela é de serra, e tem medo de cair do barco.
Enquanto eu, que nada entendo de seus verdes e cheiros de terra molhada imagino-me em pé em cima do barco.
Braços abertos, peito aberto... cheiro de sal preenchendo os pulmões!

E como a analogia não funciona, o que não tem nome, nem forma, nem pode ser ouvido volta ao seu silêncio.

Eu não!
Verborrágica.
Karina Buhr me disse hoje que depois de tampo verbo a pessoa morre. Eu vivo!



Contino...

Gosto de Lua crescente, céu sorrindo. Ela de nova. Estranho.
É que ela gosta de estrelas!
E sorri com os olhos brilhantes.
Lua crescente em noite de nova e céu nublado!
Calei-me.

Há coisas que devem mesmo ser apreciadas em silêncio

elemento terra

Eu já tinha visto Mayra sorrir antes. Mas nunca tinha sido para mim. Em alguns anos vi Mayra algumas vezes. Passando sozinha, acompanhada de pessoas que eu tinha pouco contato, nas fotos de algum conhecido no facebook. Poucos encontros para quem cursa a mesma graduação num campus bem pequeno. Em três anos vi pessoas desconhecidas pela rua, em lugares improváveis, com mais frequência do que avistei Mayra. Por exemplo, aquele palhaço meio triste com cara de índio que canta e toca violão que vi num vídeo uma vez no youtube e depois peguei ônibus com ele, e o vi na rua várias vezes, em pontos diferentes da cidade e inclusive passeando com a família sem nariz de palhaço.
Mas Mayra, cuja probabilidade de eu encontrar era imensa, vivia sua vida longe da minha vista na maioria do tempo.
Depois passei a vê-la com mais frequência. Mayra exala bondade. Cuida de quem lhe é querido com muito carinho e respeita todos os demais. Ouve a todos com interesse e está sempre disposta a acolher e ajudar quem precise.
Mayra se enfeita de pedras e flores que realçam sua beleza, mas quando parece mais feliz mesmo é quando está suja de terra. Uma menina terra, que não poderia ser exaltada pela música de Caetano porque seu signo é de elemento água, o que lhe dá uma sensibilidade ainda maior. Mayra quer mudar o mundo. E eu não duvido disso. Porque ela mesma muda e muda as pessoas com quem convive, a cada conversa, a cada troca de experiências, a cada toque no barro... moldando e se moldando, mudando, renovando... “muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente”, alguém que não me lembro escreveu e eu acredito nisso.
E segui observando Mayra de longe até que chegou o dia em que Mayra sorriu para mim. Só vai entender a sensação que o sorriso de Mayra causa quem já plantou feijão num chumaço de algodão e viu a primeira folhinha aparecer; ou que acompanhou todos os dias uma lagarta adormecida em seu casulo e a flagrou no exato momento em que saía de lá transformada em borboleta; ou quem já viu gatinho nascer e respirar pela primeira vez, na hora exata em que sua mãe corta o cordão umbilical, depois de ter lambido toda a placenta; ou ainda quem já saiu numa manhã ensolarada depois de uma semana inteira de chuva e viu as flores e folhas ainda molhadas sob o turquesa do céu e o Sol brilhante. Digo isto porque o sorriso de Mayra tem a força da terra e um brilho sem tamanho!
Não sei o que pensa Mayra, não sei o que viveu Mayra e o que a trouxe até aqui. Também não sei das suas dores ou se em algum momento tem seu coração aflito e o que o aflige. Não sei também se Mayra chora sozinha à noite, protegida pela escuridão; se sofre por um amor ou se gostaria de ter uma vida diferente.
Só sei que quando Mayra sorri pra você é como se ela pudesse materializar todos os sentimentos bons do mundo, toda luz, toda beleza em sua face e te envolver com alegria e amor. Quando Mayra sorri pra você é como se você entrasse numa poesia de Manoel de Barros, como se o vento soprasse nos seus cabelos e o Sol esquentasse sua pele. E, óbvio, você sorri de volta! Acreditando que o mundo é um pouquinho melhor do que você imaginava e que ainda há bondade nas pessoas.

Em breve perderei Mayra de vista de novo, mas muito contente por tê-la conhecido. Levarei comigo um pouquinho dela, porque afinal, somos essa mistura de pedacinhos de pessoas que passam por nossas vidas. Levamos e deixamos um pouco de nós em cada lugar, cada encontro...


Vai Mayra, vai iluminar o mundo com seu sorriso! E não vou nem falar para você voltar logo, porque sei que a terra vai te guiar para onde você tiver que ir, dando firmeza para os seus pés e acariciando suas mãos até onde seu coração quiser fazer morada.