terça-feira, 27 de novembro de 2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

In memoriam



Eis que surge materializado na minha frente, em meio aos comandos de programação que não sei executar, um distinto senhor. Olhos azul piscina, cabelos muito brancos, bochechas coradas e sorriso simpático. Russo. Terno engomado, gravata borboleta e tênis. Porque a idade avançada já não permite o desconforto de certos sapatos.
Saído de um livro texto para Engenharia - ou melhor, ELE é o livro texto - somente para me dar esta lição: no fim tudo deve ser simples.

Ali, em pé, na frente do quadro negro, em meio às carteiras e olhares confusos dos estudantes ele me falou: 

 "Não importa o quão árduo seja o seu trabalho, minha filha. Você tem que trabalhar duro, lutar, mas no fim tudo deve chegar a uma simples equação de fácil solução."

Obrigada, doutor Popov¹! O senhor nunca imaginaria que suas palavras em russo, ditas a um aluno brasileiro de origem alemã, hoje um tanto rabugento, chegariam aos meus ouvidos. Prometo guardar com carinho as sábias palavras e tentar colocá-las em prática.

Em uma singela homenagem póstuma, enuncio aqui uma simples lei da Física que resolve incontáveis problemas pelo mundo afora.

Para lembrar:

“Cê é igual à raiz quadrada de a ao quadrado mais bê ao quadrado menos dois a vezes bê vezes o cosseno de téta.”

Uma pena essa não poder ser aplicada à vida!

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¹ E.P.Popov (1913 – 2001) escreveu, dentre muitas coisas, o livro “Resistência dos materiais” e foi pioneiro no estudo do comportamento inelástico e resposta sísmica do concreto armado e aço. Sabia das coisas o doutor Popov, afinal “ o mundo é mesmo de cimento armado”


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Saldo do fim




Uma confissão
Muitas ofensas
Um pedido de perdão
Muitas lágrimas

Três gatos na sala

Nove espasmos
Dez espasmos
Uma noite
Um adeus
Dois travesseiros na cama

Três gatos no quarto

Duas escovas no banheiro
Duas canecas no escorredor
Duas tigelas no armário
Trinta reais em cima da cômoda
Oito cabides
Cinco gavetas vazias


Dois destinos


Três gatos no sofá


  

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sobre a decepção amorosa


Ana fez aquela pergunta de repente, como se a tivessem soprado nos seus ouvidos. Antes da resposta, um breve momento de silêncio. "Estou". Ana ouviu e chegou a esboçar um sorriso, aguardando a continuação da frase, que em sua cabeça seria: "brincadeira". A correção não veio. Não era brincadeira, era sério. "ESTOU", ecoava em seus ouvidos. "ESTOU". Ana estava confusa, decepcionada, chocada. A decoração pré-adolescente do quarto de Luíza começou a girar ao seu redor. A parede lilás se confundia com o teto. Os corações de pelúcia coloridos em cima da cama rasgaram-se ao meio, soltando a espuma branca pelo chão. Os vampiros brilhantes e os lobisomens saíram de dentro dos seus livros e se juntaram ao Justin Bieber rindo e zombando de Ana. As bonecas aproveitaram para sair do fundo do baú e cantar, girando numa roda:

 "com queem, com queem, com queem seráá que a Ana vai casaar..."

            A música dos rebeldes tocava ensurdecedoramente até que a Hermione apareceu, girou sua varinha e, apontando para Ana, gritou: "expelliarmus"! Mas Ana já estava desarmada.
            Chorou, lamentou-se, demorou a pegar no sono naquela noite. Quando dormiu, sonhou que estava correndo livre, num quintal imenso de uma casa minúscula. O quintal era todo forrado com um carpete cinza, muito limpo e fofo, que massageava os pés de Ana enquanto ela corria alegre. De repente, pessoas chegaram ao terreno, levaram muitos móveis, construíram uma casa enorme e Ana se sentiu sufocada. Sentiu falta de ar, precisava se esforçar muito para continuar respirando... Acordou aflita, estava com dor de cabeça. A primeira palavra que lhe veio à mente foi "ESTOU".

Comeu uma torta de limão. Achou azeda. Chorou.